09 abril, 2007

A natureza fala

Sucupira é o nome de uma árvore.
Duas delas encontram-se plantadas perto de casa.
Passando por elas outro dia, meu pai ouviu e, com a devida autorização das duas, transcreveu sua conversa na forma de uma carta. É o que segue:
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Carta de duas Sucupiras


Eu e minha irmã devemos ter sido plantadas no mesmo dia. Digo isso porque temos mais ou menos o mesmo porte, mas não sabemos dizer se temos a mesma idade. Na verdade, nós só nos conhecemos quando já éramos grandinhas. Já enfeitamos a sede de uma fazenda que anos passados existiu por aqui. Fomos árvores frondosas, com nossos mais de quinze metros de altura. Demos muita sombra a quem subia ou descia por este trecho da velha Estrada da Colônia. Na época da floração, flores amarelas coloriam nossas copas e, ao caírem, forravam o chão, que antes era de terra batida e hoje é o negro do asfalto. Pássaros? Oh! quantos. É que não somos ornitólogas para saber dizer o nome de todos os que pousaram ou fizeram seus ninhos em nossos galhos, mas, de ouvir falar, temos certeza de que por aqui andaram sabiás e bem-te-vis, saíras e maritacas, pardais e sanhaços, pombas, rolas, coleiras, anus, bigodinhos, beija-flores... flores... flores... e por aí vai... Balouçados por brisas suaves ou fortes ventos, nossos galhos sopravam aragens pela redondeza, amenizando a canícula que costuma fazer por estas bandas. Com raízes profundas, troncos resistentes e galhos robustos, suportamos muitas tempestades. Mas, infelizmente, já faz alguns meses, homens, tidos como seres inteligentes, usando um aparelho com inúmeros dentes afiados, e que ronca ensurdecedoramente, vieram aqui e reduziram-nos ao que hoje se pode ver de nós: dois troncos quase secos, que, na ânsia de ainda viver, lançam brotos raquíticos, numa verdadeira caricatura do que já fomos um dia... O mais triste é que isso não aconteceu só conosco, não. De uns anos para cá, quando ainda éramos inteiras, volta e meia o vento sussurrava histórias parecidas com as nossas, como a de uma Mangueira monumental dali das cercanias da Obra Social N. Sra. da Glória, várias Sibipirunas daqui das redondezas, um Chapéu-de-sol e muitas outras, cujos corpos mutilados ainda estão por aí como testemunhas incontestes desse crime hediondo. Sem falar de uma linda Suinã que, pobrezinha, teve a sina de nascer debaixo de fios de eletricidade, e por isso é barbaramente podada toda vez que seus galhos ousam subir e ganhar um pouco mais de espaço.

Quando, ó homem, quando você vai descobrir que, a cada árvore que você derruba, você deixa mais pobre sua própria casa, este planeta que você habita?

Em tempo: Só resolvemos ditar esta carta porque hoje acordamos com os golpes de um machado tentando fazer a uma vizinha nossa, um belo e verde Cinamomo, o mesmo que fizeram conosco. Se você, amigo, ao ler esta carta, puder fazer algo, saiba que salvar a vida de uma árvore é contribuir para a sobrevivência do próprio homem neste planeta Terra.


Eu, Antonio Bicarato, certifico e dou fé que transcrevi
esta carta tal qual a ouvi das DUAS SUCUPIRAS.

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