17 dezembro, 2007

Um rio, um homem, uma causa

Em 1998 estive num lugar especial. Um charco pedregoso, no topo de uma serra, de onde brotava água. Brota, muita. Desse charco sai um fio d’água; pouco mais de um palmo de largura, que acaba se perdendo pela vegetação rasteira, e segue despretensioso e escondido por alguns quilômetros, até se mostrar triunfante em duas cachoeiras fartas que formam dois poços de metros de extensão, para aliviar a secura e satisfazer o prazer de quem estiver naquele alto, entre muitos, do oeste das Minas Gerais.
Corre mais um pouco e a queda é iminente no canto da serra da Canastra – o nome não é à toa, um grande baú que se estende na paisagem, com suas paredes verticais nos mais de setenta quilômetros de extensão –, na fabulosa Casca d’Anta, derrubando quase duzentos metros de água para, lá embaixo, fazer mais um lago onde é quase impossível chegar, tanta é a água que está no ar, para novamente se estreitar e, mansa, toda essa água se recolher de novo num pequeno riacho, raso, de metro e meio de largura, começar a sua longa caminhada que, de caudalosa, ainda não viu nada.

Nunca fui ao Nordeste, ao norte de Minas; nada sei sei da adolescência e da maturidade de um de nossos maiores rios; mas vi a sua maternidade, onde ele nasce todos os dias, todos os instantes, apesar do destrato que recebe desde pequeno.
Nos últimos nove anos, justamente por conhecer o lugar, acabei por prestar mais atenção nas chamadas do noticiário que informam queimadas de inúmeros hectares na nascente do São Francisco. Uma vez, outra vez, e outra, e outra... Nesse tempo, não sei contar quantas vezes ouvi essas manchetes. A natureza, apesar da dor, parece não escutar essas manchetes. Ela segue fazendo o que tem de fazer: brotar água pra regar a vida.
Vida.
Exatamente esta que nos escapa, a cada maltrato que fazemos com nós mesmos.
Exatamente esta que um homem tenta proteger.
Só um homem.

Sou conterrâmeo de frei dom Luiz Cappio, mas isso é o de menos.
Sou católico também – apesar da praticância quase zero –, mas isso também não importa.

Sou, sim, a favor de uma pessoa que tenta, por meio da sua convicção e de sua fé – se é que não estou sendo redundante –, mostrar que um projeto de proporções megalômanas pode ter conseqüências trágicas, em termos ambientais e sociais, para toda uma região e uma população já por décadas, séculos, judiada pelo descaso de políticas que visam tão somente à perpetuação de uma situação fragilizante, humilhante, desumana, para quem a esperança nunca morre.

Se há estudos TÉCNICOS, que eles sejam baseados em parâmetros absolutamente TÉCNICOS, e não políticos e corporativistas, que, sabemos, vão favorecer tão somente grandes produtores da região, deixando, literalmente à margem, a população que, efetivamente, necessita da água e a ela não tem acesso.

Não faço greve de fome porque sou um fraco. Mas, se há uma compensação, sou absolutamente a favor da causa de frei dom Luiz Cappio.
Que se discuta. Que haja um entendimento estreito e direto com a população ribeirinha e do sertão do Nordeste, pessoas únicas e realmente merecedoras de qualquer política de revitalização do semi-árido, para quem o Grande Chico é verdadeira e única fonte de vida e de esperança.

Dom frei Luiz Cappio: sua causa é nossa causa; e sua fome será saciada, como a de seu povo. Acredite e a solução virá, como sempre veio. Porque a providência é divina.

3 comentários:

  1. Lindo, cara! Confesso que os zóio ficaram cheios d'água...
    :-)

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  2. Muito bonito mesmo, inclusive, já roubei uma das frases para ter como referência pessoal... Obrigada, rs...

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  3. Show de bola, como dizemos lá em Minas quando algo é muito bonito: É de chorar e andar para trás...

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